quinta-feira, 17 de junho de 2010

Faca

Na estribeira da cama, sentado o homem de gorro cinza, amolando a velha faca que antes fora de seu pai, segue afiando-a com a mesma delicadeza do artista que pincela seu quadro. Com os olhos injados, não se sabe se de chorar ou de não dormir, percorre seu pulso.

Dentro de si um vazio, a agonia é tão grande que parece estar morrendo, mas ele não tem nada, aliás, ele não tem ninguém. Sente vontade de cortar-se, a lâmina fria, seu corpo quente, vai ver é isso, os opostos se atraem.


Compelido de tristeza diz não ver sentido em sua vida, fala sobre morte, caos e terror, em outros tempos diria que era louco, mas hoje tudo isso é real, basta olharmos o noticiário.
De relance viu seu rádio ao fundo do quarto, pensou que uma música poderia animá-lo, sintonizou a primeira estação que se fez ouvir, ele conhecia aquela letra era "Clarisse", pensou "que dia perfeito para se morrer", só poderia ter sido o dedo do demônio para sintonizar aquela porra.

Olhou pela janela, o sol bateu em seus rosto, os olhos cegaram, fazia dias que não virá a luz do sol, lá fora todos caminhavam, olhou a irís de cada um e todas estavam tão embotadas quanto a dele. Teve um momento de conforto, afinal não era só ele que estava achando tudo sem sentido, quem a tempos não brilha os olhos, sabe reconhecer a infelicidade de longe.

Ligou a televisor, apenas mais um caso de corrupção, lembrou das promessas, campanhas e sinais de futuro feliz, é realmente as coisas fugiram ao controle, ele também havia sido enganado, é fácil acreditar em promessas quando falam o que queremos ouvir. Só vemos a verdade por inteiro quando nossos corpos já estão pela metade.

Andou pelo quarto, a faca no criado mudo como se quizesse ver sangrar, aproximou-se, a empunhou e com o sopro de um vento cravou-a na imagem que jazia na parede, lá a foto de um velho governante de quatro dedos e barba por fazer, hoje ele não iria se matar, ele já havia descoberto o culpado de tudo isso.

quinta-feira, 10 de junho de 2010

Antes sóbrio...

Eram 5 da manhã, comi aquele velho hot dog de carrocinha, desses que protagonizam a melhor refeição após uma noite regada a álcool, sangue e suor. Obviamente ao terminar os lábios estavam lambuzados de molho, o que assinalava que tudo havia sido degustado da melhor forma possível e é claro sem a menor etiqueta, quando a fome é quase vital não nos apegamos a detalhes.

Segui desorientado pela calçada e vezes pela rua, afinal, os passos não são tão seguros após algumas doses de absinto, nunca tive o privilégio de sentir os efeitos alucinógenos da fada verde, se Van Gogh sabia como, deve ter morrido com estes segredos. Rumei pela estrada, o sino da igreja avisará, já eram 6 da manhã e eu ainda neste inferno de caminho para casa, cada passo mais cansado, cada passo mais lento, meu estomago pedia ajuda e eu suplicava por não regurgitar toda aquela merda.

O rosto dolorido, não é fácil ser esmurrado, mas por um lado me sentia bem, é preciso sofrer a força de um punho para se sentir vivo, o pior é que eu sabia que merecia, adorava pagar de vítima, mas dessa vez não ia colar, pelo menos paguei minha dívida, agi como idiota e tomei o devido troco.

Cheguei em casa “home sweet home”, fui logo tirando a roupa e me encaminhando para cama, minha garota já estava deitada, no lençol, meu lado quente esperando, dei nela um beijo dos nossos, era impossível disfarçar meu bafo, fechei os olhos e tudo girava como um carrocel. Estava quase pegando no sono, quando me fiz uma pergunta, teria minha mulher esperado apesar do horário e enrolada em seus cobertores aquecido o lugar onde seu velho iria dormir? Ou havia alguém antes de mim naquela mesma cama fazendo obscenidades com minha menina?

Naquela noite não preguei mais o olho, jamais toquei no assunto que havia me deixado bolado, um alcoólatra não olha para trás e eu não tinha moral para isso, como já diz o velho deitado “não mexa na merda, porque mesmo seca ela ainda fede” sabia, é o preço que se paga por algumas doses a mais.

Imagine eu que dizia que nunca iria parar com o álcool, como se não existisse coisa mais importante em minha vida que beber com os amigos, jogar um carteado e flertar com mulheres, hoje estou no A.A. Queria ter sido salvo por Deus, que um amigo tivesse me trazido para cá, infelizmente a luz da sobriedade veio da pior forma, enfim, antes sóbrio que corno.